Como a sobrevivência desses povos dependia dos recursos naturais da época. Tais como; a caça, a pesca, e muitos frutos silvestres, então existentes.
Eis pois aqui, uma das muitas razões que os levavam, a assim procederem, procurando preferencialmente esses locais para sua habitação e sobrevivência.
Nesses estuários abundavam grandes e variadas quantidades de peixes e outros afins, da fauna marítima, tais como cetáceos de grandes proporções que ali recorriam para se alimentarem das espécies suas preferidas, o que muitas vezes lhes era fatal essa ousadia.
Nestas lagoas imensas de águas temperadas e semi-cálidas, também existiam em abundância muitas espécies de crustáceos e bivalves que ao tempo os habitantes de suas margens consumiam em grande quantidade para sua alimentação quotidiana, como se comprova pela existência fóssil dos muitos concheiras achados em locais que foram habitados por povos coevos dessas eras.
Além da fauna marítima tão propícia à sobrevivência dos nossos antepassados humanos também a luxuriante flora circundante os favorecia como coutada de caça onde abundavam imensas espécies de animais selvagens, (algumas de grande porte) tais como; o touro, o javali, o veado, etc; Além de muitas outras de menor tamanho; como a lebre, o coelho, e outras, de sua ordem.
Devido ao contínuo processo erosivo da crosta terrestre provocado pela pluviosidade enorme nessas eras, muitos sedimentos aluvionosos iam sendo colocados nas margens dessas lagoas, dando aso a que se formassem enormes sapais ao seu redor, criando autênticos paraísos de sobrevivência às aves migratórias que a eles recorriam para nidificar e se alimentarem da grande profusão de répteis e outras espécies necessárias à sua preservação.
Portanto, nestes estuários, lagoas e abras grandemente existentes na Costa Atlântica da Península Ibérica, não faltava alimentação natural, aos primitivos povoadores humanos, aí instalados.
OS IBÉROS
Pela descrição que nos conta a História Universal, sabemos que a Península Ibérica foi habitada pelos Ibéros e depois invadida pelos Celtas que juntamente com outros povos (Suevos, Gregos, Cartagineses, etc.) se juntaram, formando os Celtiberos ocupando toda a Península, para cá dos Pirinéus.
Este povo Celtibero dividiu-se em vários grupos distintos com nomes diferentes e áreas demarcadas. Entre os cinco agrupamentos, um tinha o nome Lusitânia, que ocupava grande parte do território peninsular a oeste, entre os rios Douro e Tejo. Mais ou menos entre os meridianos 38-40, e os paralelos 8-10, como seja parte da actual costa Atlântica do litoral Português, mais concretamente entre os dois rios citados.
Esta parte da Ibéria era habitada pelos Lusitanos.
O porto de Tauria era o centro comercial por excelência, de toda esta orla marítima, entre a foz dos rios Douro e Tejo.
Começamos pelo Baleal, alcandorada num maciço de rocha calcária, tipo-lióz, que o contínuo movimento das ondas do mar provocado pela ventania nórtica, ao longo de muitos milénios de anos, desgastou entre a povoação que hoje existe, e as arribas do lado Nascente, também de igual calcário, dando assim ocasião à formação do baixio onde existia a praia de banhos. Varias épocas houve, que neste local da praia, só havia rocha, só vindo a possuir areia depois do assoreamento
Portanto, durante muitos Séculos, o Baleal era uma pequena ilha, junto à costa do lado Norte da entrada da Baía-porto de Atouguia, servindo de molhe de abrigo, à navegação que demandava este porto. A partir da ilha do Baleal, caminhando para Sudeste, formava-se um grande estuário-baía em forma triangular, que se prolongava até junto do velho Castelo de Atouguia, e tinha ai seu vértice; partindo depois, e alargando-se até junto do rochedo da actual praia da Consolação, que também abrigava pelo lado Sul da dita baía.
Com a grande ilha "Phenícies" (Peniche) a transformar pelo lado do Oeste toda a zona portuária, eis aqui a razão do seu valor e grandeza.
Foi esta enorme baía-lagoa-porto que desde os alvôres da navegação, utilizada pelos homens, servia de ancoradouro obrigatório a toda a marinhagem que se deslocava ao longo da costa Atlântica, fretando, pescando ou comercializando, seus produtos. 0 grande porto natural de Tauria era meta mais que obrigatória, para simplesmente se abrigarem, reabastecer ou comercializar os produtos transportados.
A então grande ilha de "Phenícies", como lhe chamou o cruzado cronista Observo em 1147, quando da conquista de Lisboa, era toda coberta por densa e luxuriante vegetação, com suas reentrâncias naturais facilitando abrigo em qualquer emergência ocasional provocada pelas incertezas traiçoeiras do mar. Todos os predicados dessa maravilhosa costa, eram favores da própria natureza, que o homem ávido de aventuras dela sabia tirar o devido proveito.
TAURIA - O PRINCIPAL PORTO DE PESCA E COMERCIAL DA LUSITÂNIA
Devido há existência da "Insula Phenícies", a entrada da baía, como reserva natural criadora de variadissimas espécies piscícolas que ali desovavam e se protegiam de seus inimigos predadores, estes afluíam a estas paragens em grandes quantidades e por sua vez eram perseguidos por outros afins de maiores proporções como os grandes mamíferos cetáceos, baleias, cachalotes, roazes, etc. que à guisa de comedia se aventuravam a entrar no interior da enorme baia, que devido à sua irregularidade de fundos, os traía pagando com as suas vidas tais aventuras.
Era muito frequente serem caçados pelos homens , ou perdendo-se nos fundos baixios e traiçoeiros onde naufragavam por não lhes ser possível submergir para preservar sua existência. Com esta grande riqueza natural, que a baía-lagoa-porto de Tauria propiciava aos povos marítimos de todas as costas do Oceano Atlântico Norte, que muito frequentemente desciam a caminho do Mediterrâneo, e obrigatoriamente aqui se recolhiam para se refazerem dos muitos estragos causados pelas longas viagens feitas com tão exíguos recursos como os que então existiam.
Por experiência própria, sabemos como as gorduras sempre foram importantes e precisas não só para a nossa alimentação, mas também para delas se obterem óleos necessários para o fabrico de impermeáveis usados nas pinturas dos costados das frágeis embarcações que ao tempo existiam. Ancorados ou varados, ao abrigo nas muitas calas então existentes no interior da baía esses navegadores caçavam ou comercializavam, essas gorduras procedentes dos enormes cetáceos que aqui findavam. Derretida sua gordura e aproveitada sua carne, que conservada em salmoura e embarricada, os alimentava nas suas longas viagens através dos mares, nessa época ainda pouco conhecidos.
Com a derrocada do Império Romano, cerca do V século da nossa era, para recebermos, na Península Ibérica, a invasão sarracena no ano 711 da era cristã, ocupando-a totalmente no princípio, vindo depois a desocupar grande parte dela. A Lusitânia fica debaixo do domínio Mouro durante alguns séculos. Na parte que nos tocou a nós, lusitanos-atouguienses, não nos afectou muito essa ocupação, quer dos Romanos quer dos Árabes.
Embora fizéssemos parte da Lusitânia pela nossa implantação geográfica, na Península Ibérica a ocidente da Costa Atlântica, onde existia um pequeno arquipélago de ilhotas (Berlenga, Farelhões e Peniche) junto à costa. Aqui situava-se a melhor baía-lagoa-porto de toda a Lusitânia, no espaço da costa marítima compreendida entre a Foz do Rio Douro, e do Tejo, onde todo o tráfego marítimo costeiro e não só, obrigatoriamente fazia escala, quer para se abrigar, reabastecer, etc, ou então comercializar seus produtos e mercadorias com outros seus congéneres.
Devido ao predomínio dos Romanos e dos Mouros ter sido maior à volta do Mediterrâneo nunca a Costa Oceânica ocidental da Península Ibérica foi muito utilizada pela sua navegação, mas sim em grande profusão o foi pelos marinheiros dos povos do Norte da Europa, principalmente Escandinavos e Normandos que frequentemente desciam de Norte para Sul, transportando seu pescado salgado, recebendo em troca, sal, vinho, frutas secas ,etc. Navegando até aos Algarves, chegando mesmo a Gibraltar e passando ao Mediterrâneo Central, algumas vezes. Em contrapartida à descida dos marinheiros Escandinavos e Normandos vindos do Norte da Europa, para comercializar ao Sul, também os Árabes subiam costa-acima ao encontro dos seus iguais, afim de permutarem suas mercadorias. Aliás, sabe-se que durante o século x, o califa Hacam II mandou construir barcos segundo o modelo dos Normandos para os atacar com eles.
Como aqui se deixa transparecer nem sempre as marés eram de rosas, existindo em ambas as partes muita pirataria que sempre se degladiavam mutuamente sempre que a ocasião lhes era propicia.
O ALVORECER DE PORTUGAL
Estamos no alvorecer da nação Portuguesa. D Afonso Henriques, desce de Norte para Sul, conquistando tudo quanto é castelo de mouro. Já conquistou Leiria, Porto de Nós e Santarém. Óbidos entregou-se sem luta. Falta-lhe agora o castelo mais forte e ambicionado, a cidade de Lisboa.
Ele quer sacudir a moirana para lá do Tejo, mas não dispõe de forças para o fazer, porque a praça de Lisboa é a mais difícil de conquistar, devido a junção aqui concentrada das muitas guarnições de outros castelos já tomados por D. Afonso Henriques. Eis que uma armada de cruzados formada por povos vindos da Gália, navega ao longo da Península Ibérica ,descendo o Oceano Atlântico de Norte para Sul com destino a terra santa, onde pretende apoderar-se do túmulo de Cristo, há muito tempo na posse dos infiéis. Essa armada e comandada pelos irmãos gauleses, Guilherme e Roberto de Licorne ou Corni, que aportaram a barra do Douro para se reabastecer e abrigar. Permaneceram aí o tempo suficiente para o fazerem.
Ao ter conhecimento desta estadia dos cruzados no rio Douro, o Rei D. Afonso Henriques encarrega o Bispo do Porto, D. Pedro, de negociar com eles a sua participação na conquista de Lisboa. Não foi bem sucedido o Bispo em suas negociações com os cruzados; e estes partiram a caminho do seu destino, a terra santa. Dias depois atracaram na grande baia de Tauria, onde novamente se refazem de suas necessidades vitais, para continuarem sua missão. Então, D. Afonso Henriques, que se encontrava cá pelas bandas de Lisboa, chega ele à fala com os manos franceses, e concerta a sua ajuda valiosa na conquista de Lisboa em 1147.
Não foi fácil, ao nosso primeiro rei, negociar com os franceses a sua participação nessa tão arriscada empresa, que iria decidir a cimentação da nacionalidade portuguesa, perante a história das nações, em tempos tão controversos. Sabendo-se que os cruzados se encaminhavam navegando para a Palestina, pensamos como seria difícil chegar ao acordo destes se disporem a lutar a menos de um terço da viagem do seu fim em vista, que era chegar a terra santa. O rei D. Afonso Henriques também não dispunha de meios para lhes pagar o seu auxilio tão valioso. Só lhe restou fazer o que fez; doar-lhes as terras de Tauria, o senhorio do seu importante porto, e do seu frutuoso comércio.
Na cedência desta importante zona da Lusitânia aos gauleses, impôs o nosso primeiro rei, a obrigação de a repovoarem e defenderem convenientemente, como cidadãos lusos que passavam de hora-avante a ser, ficando a dever fidelidade ao seu rei D. Afonso Henriques.
Desta vez a conquista de Lisboa foi um êxito, pois sabemos que a mesma tinha sido tentada trinta anos antes, não pelo rei D. Afonso Henriques, mas sim por grande parte da população lusitana que nela habitava, ao tempo muito numerosa. Tentaram assim obter a sua independência ajudados também por uma armada de cruzados que em 1109 se encaminhava para a terra santa, segundo conta a saga do rei Sigur. Esta armada como tantas outras, obrigatoriamente fez também escala no porto de Tauria. Nada se sabe, se depois da conquista de Lisboa a armada de cruzados seguiu o seu rumo para a Palestina, ou se retornou logo para as suas terras de Atouguia. Julgamos que sim, que já não continuou a sua primitiva missão, mas imediatamente se instalou nas suas futuras terras, povoando-as intensamente, com outros povos francos que foram influenciados por seus irmãos a juntarem-se nestas férteis paragens afim delas tirarem todo o proveito de sua subsistência e grandeza.
Em pouco tempo, estas terras tomaram uma nova feição, quer em desenvolvimento de ordem material e comercial, quer em cultura e arte espiritual. No ano de 1165 já as terras de Atouguia se encontravam repovoadas pelos seus donatários gauleses. O Rei D. Afonso Henriques, concedeu o primeiro foral às terras de Tauria, dando aos irmãos gauleses autorização para o efectuar, segundo certas normas por ele impostas. Mesmo assim sendo, este foral ficou muito favorável aos povos de Tauria.
De estilo romano-gótico erigida durante o século XIII, em honra de S. Leonardo de Noblat. Este era oriundo da nobreza gaulesa, e parente do rei Clóvis, que também era seu padrinho de baptismo. Estamos no século V, o rei Clóvis não professa a religião cristã, mas sua mulher consegue convertê-lo a baptizar-se juntamente com outros fidalgos da sua estirpe. São Leonardo, não quer ser guerreiro, dedica-se às obras de piedade protegendo os pobres e os prisioneiros de guerra, passando a ser seu principal protector. Depois da sua morte, o povo considerou-o santo, venerando sua imagem, como protecção nos apuros da sua existência. Principalmente os prisioneiros, e as mulheres grávidas que à sua memória recorriam, implorando sua intercepção junto do Céu.
Conta a tradição, que ao tempo do repovoamento das terras de Tauria, um barco que se dirigia para cá com um carregamento de prisioneiros se afundou à entrada do porto, salvando-se todos os presos. Estes traziam a bordo, uma imagem de S. Leonardo que também se salvou com eles. Agradecidos de tão grande milagre, resolveram construir a linda igreja, que hoje muito nos orgulhamos de possuir. Sabemos que em Portugal, é a única dedicada a S. Leonardo, não existindo mais nenhuma paróquia com este nome. Sua festa, é a 6 de Novembro, assim como era e é ainda hoje, o dia da Vila de Atouguia e paróquia de S. Leonardo. Presume-se que o templo foi construído no local onde existia uma mesquita muçulmana, pois quando do recente restauro levado a efeito pelos monumentos nacionais assim deixou transparecer.
Quanto aos donatários Franco-Gauleses rapidamente se fundiram com os povos nativos já cá existentes, ficando até hoje os apelidos de Francos e Correias. Nos finais do século XIII, já não existia descendência directa dos irmãos gauleses, passando o padroado de Atouguia, para a posse da Coroa Portuguesa.
OS PRIMEIROS FORAIS
D. Afonso Henriques, doou a povoação de Tauria e suas terras limítrofes aos irmãos gauleses, em 1147; também no ano seguinte 1148, concedeu-lhe o seu primeiro foral. Devido ao êxito alcançado pelos irmãos Licorni, no povoamento e progresso significativo de suas terras, D. Sancho I, confirma o foral dado por seu pai e concede-lhe novo foral. Novamente, D. Afonso II, renova este em 1218. Nos reinados de D. Sancho II e D. Afonso III, pouco ou nada se sabe de significante, sobre Atouguia. Apenas a continuidade laboral dos então Franco-Lusos já muito irmanados e familiarizados como futuros Atouguienses.
Quando D. Dinis ascendeu ao trono de Portugal, já possuía muitas casas em Atouguia. No ano de 1313, obtém o senhorio da vila, para em seguida a doar a sua esposa, a rainha D. Isabel de Aragão. Depois mais tarde, Rainha Santa Isabel de Portugal.
Durante o reinado de D. Dinis, a Vila de Atouguia, como tantas outras vai receber uma nova e grande dinamização e progresso em todas as áreas da sua civilidade temporal e religiosa. No local mais elevado das terras que circundam a povoação, denominada de Outeiro e junto ao caminho que ligava com a povoação da Lourinhã, manda erguer uma forca. Este local ainda hoje se chama Outeiro da Forca. Com esta medida tão significativa, ele passa a poder aplicar sua autoridade e justiça. Como nesse tempo, os corpos dos enforcados, ficavam expostos na forca até caírem de podres, os locais onde eram implantadas as mesmas ficavam distantes das povoações e a sul destas, devido aos ventos predominarem do norte, a maior parte do ano. Também eram as mesmas colocadas junto das estradas de maior circulação, para que todos os viandantes que por ali passassem, lhe servisse de exemplo
Como a corte de D. Dinis habitava muitas vezes temporariamente em Alenquer, deslocava-se a miúdo às suas terras e porto de Atouguia. Então manda construir, na parte mais alta de seus domínios por estas bandas, no local da serra a sua moradia solarenga, hoje chamado de Paço da Serra de El-Rei. Esta mansão foi construída no estilo então usado; o gótico medieval. Mais tarde a mesma sofre modificações, como hoje se pode comprovar. Nesse Paço de Serra, habitarão depois (embora temporariamente) todas as personalidades ligadas à história da velhinha Atouguia.
A Rainha Santa Isabel, como donatária das terras de Atouguia e de sua majestosa igreja desloca-se frequentemente para estas bandas habitando o Paço da Serra. Assim se comprova, segundo a lenda relativa ao baixo-relevo figurativo da natividade existente na igreja de S. Leonardo, que se encontra rachado ao meio, caso acontecido quando Santa Isabel em suas orações implorava à Virgem sua protecção em favor de seu neto, o futuro Rei D. Pedro I, então criança e possuidor de uma anomalia física que muito o traumatizava. Ainda, segundo a mesma lenda, suas preces foram atendidas e o seu neto foi aliviado de tamanho mal físico; uma quebradura (hérnia), humanamente incurável nessas épocas. O baixo-relevo, ficou frontal do altar-mór da igreja de S. Leonardo, oferecido a Santa Isabel, como prémio de reconhecimento a seu marido, o rei D. Dinis, que por este ter resolvido junto da Santa Sé o pleito referente às ordens religiosas que então se degladiavam. A oferta do baixo-relevo juntamente com uma imagem de Nossa Senhora em prata, foram oferecidas por poderosos franceses interessados nessa questão. A imagem encontra-se no Museu Machado de Castro em Coimbra.
A rainha santa Isabel várias vezes visitou e estagiou pelas suas terras de Atouguia, contactando suas gentes que muito queria e amava. Principalmente os pobres, doentes e desprotegidos de justiça. Sabemos quanto Santa Isabel se entregava à protecção da mãe de Jesus, e como no seu tempo defendeu seu culto, com a ajuda que prestou à instalação da Ordem Franciscana em todo o seu reino, principalmente em Alenquer e aqui em suas terras de Atouguia.
Pelo amor que dedicava aos pobres e doentes, não nos custa a acreditar, que foi no seu tempo, e pela sua generosidade, que se criou a Irmandade de Nossa Senhora da Gafaria, construindo a sua capela e respectivo Lazareto do mesmo nome. A capela existiu até ao ano de 1698, seis anos depois da data em que se deu o milagre da renovação da imagem de Nossa Senhora e do menino Jesus, no dia 19 de Maio do mesmo ano, conforme documentos comprovativos desse facto milagroso, ainda existentes.
Hoje nesse local encontra-se a majestosa igreja de Nossa Senhora da Conceição. Um pouco mais a sul, existia a dita Gafaria, onde centenas ou milhares de leprosos findavam seus padecimentos, incuráveis em tempos tão difíceis dessa época. Ao tempo do reinado de D. Dinis havia algum desentendimento entre o clero tradicional e a recente criada, Ordem Franciscana, que não era muito do agrado da igreja secular, tomando o rei e sua esposa, o partido da ordem mendicante, apoiando e protegendo a sua instalação sobre invocação do Espírito Santo a quem prestavam culto e adoração.
Criou-se mesmo no seu reino um culto especial ao Divino Espírito Santo, segundo nos descreve o insígue historiador Jaime Cortesão num dos seus livros de história. Essa atitude real não agradava aos priores tradicionais, devido a ser-lhes retirada autoridade e privilégios monetários que ao tempo auferiam com muita abundância. Como nesse tempo, os ensinos superiores eram em grande parte ministrados através das ordens religiosas, principalmente a de S. Francisco de Assis, que o poder real favorecia, levou a que na data de 12 de Novembro de 1288, o prior de S. Leonardo, juntamente com os priores de outras igrejas ao tempo importantes enviassem ao Papa Nicolau IV uma petição por eles assinada, para que lhes fosse concedida autorização para cobrarem rendas, cujo produto se destinaria a financiar e fomentar o ensino das ciências e artes, criando uma escola superior, sobre a protecção do clero secular.
Um ano depois, foram criados os estudos gerais em Lisboa, por ordem e decreto do rei D. Dinis. Segundo o que determinava o primeiro foral concedido por D. Afonso Henriques aos irmãos gauleses, todos os rendimentos e proveitos obtidos nas terras de Atouguia revertiam em favor dos seus naturais. Foi assim que o prior de S. Leonardo institui uma colegiada com o seu colégio de estudos superiores em Coimbra, junto às margens do rio Mondego. Ali estudavam os nobres filhos de Atouguia, durante muitos anos, até que um dia, uma grande cheia do rio Mondego destruiu o dito colégio, porque sua construção era feita de terra batida (adobe).
O REINADO DE D. AFONSO IV
D. Dinis alimentava o banho de guerrear o reino de Marrocos na posse dos infiéis serracenos e assim agradar ao Papa e a todas as nações da cristandade. Para que tal fosse possível, necessitava de grandes preparativos e muitas reservas de alimentos adequados para esse fim. D. Dinis faleceu em 1325, não chegando a concretizar tal pensamento.
Com a subida ao trono de seu filho D. Afonso IV, parece que a ideia continuou fixa no seu sucessor. Este seu herdeiro, em Setembro de 1340 contrata com o mercador Afonso Domingues a cedência de todas as pescarias de baleia e seus afins, em todos os portos de seu reino desde o Algarve ao Ninho, para que este se comprometa a fornecer-lhe toda a carne necessária para alimentar essa grande empresa que muito almejava realizar, de guerrear os mouros em África. Para isso se comprometia o rei em lhe ceder todo o trigo e outros alimentos necessários, para suprir os seus operários e pescadores, utilizados nesse grande empreendimento.
Afonso Domingues, que tinha a alcunha de "Donzel" partiu para as terras de Atouguia, instalando na ilha de Peniche sua industria laboral, porque era este o local mais propicio para esse fim. Devido a factos conhecidos pela história de Portugal, D. Afonso IV, mantinha com seu filho primogénito o infante D. Pedro uma grande animosidade por este ser amantizado com D. Inês de Castro. D. Pedro, recebeu de sua avó, a Rainha Santa Isabel, o senhorio das terras de Atouguia, habitando com muita frequência o Paço da Serra e construindo um solar junto à povoação do Molêdo onde mantinha sua jovem amante.
Contam alguns historiadores que os seus três primeiros filhos de Dona Inês nasceram por aqui, quer no Paço da Serra, quer no Solar do Molêdo, hoje o lugar do Paço. Foram eles: D. Afonso, que faleceu de tenra idade, D. João, que nasceu cerca 1349 e D. Dinis, que nasceu no ano seguinte. D. Beatriz, a mais nova, já veio a nascer em Canidêlo ou Coimbra.
Diz a tradição, que o infante D. Pedro se encontrava temporariamente a caçar aqui nas suas terras de Atouguia, quando o seu pai, o rei D. Afonso IV, consentiu no assassínio de sua amante na data de 7 de Janeiro de 1355. Esta encontrava-se a residir com seus filhos numa quinta perto de Coimbra. O rei D. Afonso IV, faleceu no ano de 1357.
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