D. FERNANDO E ATOUGUIA

Por morte de D. Pedro, sobe ao trono seu filho legítimo, o Rei D. Fernando, que por morte de sua avó a rainha viuva D. Beatriz, toma posse da Vila e Senhorio de Atouguia. Depois por carta de 12 de Julho de 1370 a doou a Aires Gomes da Silva com todos os direitos, rendas e foros, incluindo a pesca. Só a caça à baleia, D. Fernando reserva para si, porque era muito rendosa nessa época. D. Fernando casou com D.Leonor Teles, em Setembro de 1372, oferecendo-lhe como dote, várias Vilas e Terras de seu Senhorio, incluindo os seus direitos em Atouguia.

Foi durante o reinado de D. Fernando que se presume tivesse havido côrtes em Atouguia durante o mês de Setembro de 1375. Julgamos que a côrte real, nesse ano, se encontrava temporariamente aqui no Paço da Serra, a passar o verão, devido à frescura dos nossos ares marítimos e florestais dessa época, então muito aprazíveis. Nessas presumíveis côrtes teriam sido tratados assuntos relativos ao comércio marítimo e seus atributos, assim como a pesca, agricultura e outros. Nas côrtes gerais efectuadas em Santarém no ano seguinte, vai o rei D. Fernando sancionar por decreto real as ditas leis presumivelmente discutidas em Atouguia.

Durante o reinado de D. Fernando, o comércio marítimo internacional atinge um grande incremento nos nossos portos costeiros, principalmente em Lisboa e Porto que se tornam verdadeiros empórios comerciais.

D. Fernando, ele mesmo, se torna industrial armador, possuindo várias embarcações para comercializar com o estrangeiro.

Chanceler-Mór de D. Fernando, é o mesmo que serviu seu pai, o rei D. Pedro I, e talvez tivesse algum cargo no tempo de D. Afonso IV, pois nasceu nos fins do reinado de D. Dinis. Se chamava Álvaro Pais, homem muito sábio e arguto que tanto contribuiu para engrandecer esse desenvolvimento comercial-marítimo no seu tempo.

Devido ao volume intenso desse comércio marítimo, o calado das embarcações aumentava vertiginosamente em suas dimensões, exigindo portos com fundos mais pronunciados e seguros ancoradouros, para suas atracagens e acostagens de carga e descarga. Com as reformas provocadas por D. Dinis na agricultura e seu desenvolvimento posterior, os campos que eram incultos e florestados, foram em grande parte arroteados e lavrados anualmente, provocando uma grande erosão que se transportou para os estuários dos rios, que eram os antigos portos marítimos, como era o caso do porto de Atouguia, que imediatamente e em poucos anos, ficou incapaz para o trafego marítimo das embarcações de grande calado e envergadura, já então muito aumentadas.

O rei D. Fernando faleceu a 22 de Outubro de 1383. Com a sua morte, finda a dinastia Afonsina.

D. JOÃO I, 0 MESTRE DE AVIS
Um grande movimento popular, exige que seja nomeado o Mestre de Avis o futuro rei de Portugal. Grande parte da fidalguia, não querendo perder seus privilégios e benesses, opõe-se tenazmente a essa nomeação. Nos fins do ano de 1383 e princípios de 1384, rebentou a revolução, pró e contra a sucessão da coroa, a favor de D. Beatriz, filha do rei falecido e da rainha D. Leonor Teles, casada com D. João, rei de Castela.

Muitos nobres do reino, pleitam a favor da velha rainha, e de sua filha D. Beatriz. A raia miúda luta a favor do Mestre de Avis. Algumas grandes cidades e vilas são a favor do Mestre. Lisboa, Porto, Évora, Santarém e outras; revoltam-se e aclamam-no rei de Portugal em Santarém.

A Vila de Atouguia não se pronuncia nem a favor nem contra. Pressionada pela guarnição do castelo de Óbidos, que era a de Castela, resolve ficar quieta até ver como ficam as coisas.

D. João I, é agora rei e Senhor de Portugal. Dôa a seu filho, o infante D. Fernando, o senhorio e porto de Atouguia e suas terras limítrofes. Também cede a D. Nuno Alvares Pereira, todos os direitos e que lhe pertenciam sobre a Vila de Atouguia. O porto de Atouguia encontra-se assoriado, devido ao grande desenvolvimento da agricultura processa campos existentes a montante deste.

Por ordem do rei D. João I, iniciam-se trabalhos de desassoriamento para recuperação do porto. Estes pouco resultam, continuando o mesmo a degradar-se em grande força.

D. João I, várias ocasiões habitou temporariamente o Paço da Serra.

No ano de 1393, reuniu aqui os estados, para prestar juramento de trégua, com o reino de Castela e dar despacho de agravamentos especiais dos vários conselhos em questão. Pela "Chrónica do Candestrabe", sabe-se que D. Nuno Alvares Pereira ali se deslocou para tratar com o seu rei assuntos de interesse nacional, vindo depois pernoitar na Vila de Atouguia. Depois da conquista de Ceuta a 21 de Agosto de 1415, três anos depois, encontrava-se o Infante D. Henrique em suas terras de Viseu, quando lhe chegou a notícia que os mouros se preparavam para cercar Ceuta e reconquistá-la aos Portugueses.

D. Henrique partiu de Viseu para o Paço da Serra a fim de com seu pai, o rei D. João. Quarenta léguas separavam estas duas povoações, que ele percorreu num dia e numa noite. A seguir parte para Lisboa e volta novamente ao Paço da Serra, fazendo este caminho em quinze horas. Tudo isto conta o cronista Azurara, contemporâneo dessa época.

D. João 1 nasceu a 14 de Agosto de 1357 e faleceu em igual dia de 1433.

D. DUARTE E O PORTO DE ATOUGUIA
Depois da morte de D. João I, sobe ao trono de Portugal, o seu primogénito, o Infante D. Duarte, que em carta de 11 de Junho de 1438 faz sobre o porto de Atouguia (que já se encontra muito danificado) a seguinte alusão.

Vinham ao porto de Atouguia muitos navios que carregavam aí; vinho, sal e outras mercadorias. Havia também muitos barcos a pescar que dava à terra grande proveito. Mas agora que se encontrava assoreado não podem lá ir esses barcos. Por isso, D. Duarte, depois de seu pai ter feito obras grandiosas no porto, continuou a tentar recuperá-lo, levando a efeito vários trabalhos, conseguindo que algumas embarcações ai pudessem chegar. Como muitos barcos se perdiam devido às más condições do porto, D. Duarte, ordenou que se instalassem pilotos na ilha de Peniche, que por serem conhecedores e experientes, auxiliassem a navegação que demandasse o porto de Atouguia.

A faina piscatória, já se encontrava muito concentrada na ilha de Peniche, vai agora instalar-se totalmente lá, ficando toda a antiga baía de Atouguia entregue às aves migratórias, que se aproveitavam da muita comida que esses pântanos produziam em grandes quantidades. Durante poucos anos, mesmo esses pântanos vão desaparecendo dando lugar a um sapal coberto de juncos e outras plantas semi-aquáticas que os moradores de Atouguia e arredores, aproveitavam para apascentar seus gados. Foi assim durante muitos anos, correndo a ribeira de S. Domingos a esmo por essa imensa planície até chegar ao mar.

Só no último quartel do século XIX, um grande agricultor, de nome José Pinheiro, inicia o saneamento desses importantes campos que foram no passado a baía-porto de Atouguia durante muitos milénios. Forando ao estado de então o campo correspondente ao que tinha sido a lagoa dos Salgados, leva a efeito uma grande obra hidráulica-agrícola, que veio a resultar nos magníficos terrenos que são hoje a herdade dos Salgados. As propriedades confinantes com as margens do rio S. Domingos, também foram recuperadas pelos seus proprietários de então, que as acrescentaram às que já possuíam em seus limites e testadas.

D. Duarte faleceu em Tomar a 13 de Setembro de 1438.

Pela menoridade de seu filho, o príncipe D. Afonso, assume a regência do reino, o seu tio, o infante D. Pedro.

Este, no ano 1445, concede privilégio ao lugar da Baleia no termo de Atouguia, para 20 homens o povoarem isentos de direitos, fintas e talhas, e do serviço na vintena do mar. Carta do regente, Beja, 14 de Janeiro de 1445. O lugar da Baleia hoje já não existe, que foi absorvido pela Vila de Atouguia devido ao seu desenvolvimento posterior.

O cronista, Frei Francisco de Santa Maria, (frade de Alcobaça) diz que o determinativo da Baleia, ter-lhe-ia provindo do facto de ter acontecido dar à costa na praia da areia branca da Vila de Atouguia, uma baleia de grandes dimensões, no dia 13 de Fevereiro de 1526. O autor desta resenha histórica, não faz a menor ideia concreta onde se situava o dito lugar da Baleia, ao tempo do regente D. Pedro. No entanto arrisca que podia ter existido muito próximo da actual povoação, que ao ser por esta absorvido, lhe acrescentou o sobrenome de Atouguia da Baleia.

Analisando as duas versões, a do Infante D. Pedro, com data de 1445 e a do cronista Frei Francisco de Santa Maria com data 1526, verifica-se uma diferença de 81 anos antecedentes na versão de D. Pedro. O mercador Afonso Domingos "O Donzel" veio para a Vila de Atouguia, para caçar os respectivos cetáceos e seus afins em 1340. Isto prova que o porto de Atouguia era parco nesses espécimes. Assim, pensa-se que existiu junto à Vila um lugar chamado da Baleia. onde deu à costa uma grande baleia numa das muitas praias de areia branca que circundavam a baía-porto de Atouguia. A toponímia da Baleia adveio-lhe de várias causas relacionadas com a grande profusão de baleias que abundavam nestas paragens ao tempo da idade média. Também encontramos o porquê de Tauria, embora pouco explícita quanto à origem dessa toponímia.

Tauria, do latim "taurus", boi no nosso português ou touro, como lhe chamareis; existiam no estado selvagem em grande quantidade nas florestas circundantes da imensa lagoa de Tauria. Daí a razão do Brazão heráldico da Vila de Atouguia compor-se de um touro no seu escudo.

INSTITUIÇÃO DO CONDADO DE ATOUGUIA

D. Pedro, o infante regente, faleceu na batalha de Alfarrobeira em 20 de Maio de 1449, passando a governação do reino para seu sobrinho D. Afonso V. Este rei, concede à fidalguia muitas mercês. Entre os muitos distinguidos, conta-se D. Álvaro Gonçalves de Ataíde, que pelos bons serviços prestados em favor do reino de Portugal, D. Afonso V, concede-lhe o titulo de 1º Conde da Vila de Atouguia, com doação e jurisdição, por carta de 17 de Dezembro de 1448.

D. Afonso V, faleceu em 28 de Agosto de 1481.

Durante o reinado de seu filho, D. João II, pouco ou nada se sabe sobre Atouguia.

O REINADO DE D. MANUEL I
A seguir ao ano de 1495, sobe ao trono de Portugal o rei D. Manuel I, titulado de Venturoso, que ordena reformas e ampliações no Paço da Serra, conforme demonstra no seu estilo patente na frontaria deste, ainda hoje existente. No ano de 1498, este rei desloca-se ao reino de Castela, permanecendo lá durante algum tempo, entregando a regência de Portugal a sua irmã, a rainha viúva D. Leonor. Foi esta bondosa senhora que a 15 de Agosto desse mesmo ano, decretou a criação das misericórdias, e a transformação dos antigos estabelecimentos de assistência e protecção civil; tais como: confrarias e gafarias, em novas misericórdias.
Muitas cidades e vilas possuíam seus estabelecimentos hospitalares, sendo a Vila de Atouguia uma delas.

Em 1507, este rei enviou à Vila de Atouguia como seu desembargador o Doutor Álvaro Fernandes, que se instalou no Paço da Serra, a fim de investigar e arrolar em tombo próprio, as propriedades e rendimentos pertencentes à Irmandade da Gafaria, que lhe haviam sido doadas, quer pelos reis passados, quer por vários benfeitores.

O hospital-gafaria, e a respectiva capela-anexa, encontravam-se nesta data, muito danificados, transformados num pardieiro, pois há muito não recebia gafeirosos, devido ao seu abandono, por parte da má administração e abusiva apropriação de bens e rendimentos, a ela destinados por seus doadores que agora estavam a ser delapidados em proveito de seus administradores. O documento comprovativo desta acção, encontra-se na Torre do Tombo, existindo uma cópia muito fiel na posse de pessoa de Atouguia da Baleia.

Essa cópia foi tirada nos fins do século XIX pelo senhor Paulo Camiler, eminente cidadão desta vila, que a ofereceu ao Sr. Padre Francisco Barata, então prior da paróquia de S. Leonardo e presidente da Irmandade da Misericórdia de Atouguia da Baleia. Estudando atentamente esse documento, muitas ilações se podem obter como era civil e geograficamente a Vila de Atouguia, nessa data. O mesmo documento, no seu compromisso final determina que no futuro os rendimentos das propriedades pertencentes à dita gafaria, sejam entregues aos responsáveis da Câmara da Vila de Atouguia, com a finalidade de serem gastos na reconstrução da gafaria e sua capela com todos os acessórios e paramentos necessários para na mesma se celebrarem missas de sufrágio pelas almas dos gafos nela falecidos. Foi durante a regência da rainha D. Leonor que decretou a transformação das gafarias em misericórdias, não nos custa aceitar que a nossa misericórdia existe a partir dessa data.

Durante o seu reinado, D. Manuel concedeu e reformou muitos forais. Entre eles deu a Peniche o seu primeiro foral, embora ainda dependente da administração da Câmara de Atouguia. Também dotou esta Vila com um novo foral nessa mesma data, 1 de Junho de 1510.

Recebeu nessa altura, o seu magnífico pelourinho de estilo Manuelino, que mais tarde foi mutilado por ordem do Marquês de Pombal, por nele conter o brazão de armas dos condes de Atouguia "Os Ataídes".

FINAL DA DINASTIA DE AVIS
No reinado de D. João III, cerca de 1521-1557, na região da Vila de Atouguia, produziam-se grandes quantidades de laranjas, cidras, pêras, uvas brancas e figos. Além de alhos, cebolas, melões e hortaliças. Assim podemos avaliar como a agricultura nas terras de Atouguia se desenvolveu e progrediu em relação ao seu belo porto marítimo que neste reinado já se não fala dele. Em sentido contrário, o porto de Peniche obteve durante este reinado um desenvolvimento de toda a ordem, comercial e piscatória.

Devido a esse grande incremento laboral atrai às suas costas, todo o género de pirataria. Por essa razão, o rei D. João III, inicia a construção das futuras fortificações de toda a zona de Peniche, mandado edificar o seu primeiro baluarte do forte da atual cidade do mesmo nome. Nos curtos reinados de D. Sebastião e de seu tio-avô, o Cardeal D. Henrique
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